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quinta-feira, 25 de julho de 2013


O Crime do Largo do Theberg
 
 

 Já passavam das 00:00 horas quando ele caminhava pelo largo do Theberg sozinho com seus pensamentos. De repente ouviu-se um assovio provindo das sombras que um velho casarão declinava sobre o beco da antiga casa de câmara e cadeia da cidadezinha de Icó. Ele virou-se. Os estampidos foram secos e luminosos e o silencioso largo foi acordado com gritos: --- Socorro! Socorro!

Ele era um rapaz no mínimo intrigante para aquela pequenina cidade. Já havia ouvido da boca de seus familiares que esta terra era minúscula demais para tanta ousadia. Ousadia essa que despertava não somente a inveja de alguns, bem como intumescia o pau de muitos ditosos homens de lá.

Assim, continuava ele a desafiar os bons costumes e a moral daquela provinciana cidade com seu jeito espalhafatoso, agudo de ser. Era culto e escrevia sem medo. Atormentava a todos que freneticamente tentavam esconde-se nas primorosas missas das 17 horas na igreja da matriz todas as sextas-feiras. Os malditos defensores da moral e dos bons costumes não sabia o que estavam a fazer. Uma nova inquisição se instaurava em pleno século XXI contra Almeidinha.

Todo o dia Almeida produzia mais e mais. Cada vez que se armava de sua caneta, os corações tamborilavam de expectativas para ver as maliciosas produções provindas daquela cabeça absurdamente pervertida aos olhos dos farisaicos icoenses.

De vez por outra, o Almeidinha, assim carinhosamente chamado por seus familiares, produzia algo menos abominável. Umas poesias perdidas de amor, outras sobre política, mas era do corpo que ele visceralmente gostava de falar.

Ele falava sem pudores, sem medo e isso despertava tanto a ira como o tesão em muitos papa-hóstias da cidade. Até que um confronto se desvelou, saindo das banais futricas das calçadas para se tornar um embate pessoal. Quase uma guerra.

Falo-vos de um ditoso advogado daquela famigerada cidade. O Dr. Fausto era homem polido, de formação burilada e pragmaticamente cristã. Trazia-lhe no semblante uma tristeza descomunal, profunda, quase que doentia, fruto de uma vida ditada pela cristandade. Observava-se nos olhos dele uma ânsia por liberdade, por ser ele mesmo, de deixar-se de ser mais um fantoche produzido em série. Isto é um mal comumente observado nas pessoas cerceadas pela religião. Era uma bomba prestes a explodir e os estilhaços feririam qualquer um que atravessasse o seu caminho. Infelizmente o Almeidinha atravessa o largo quando o bacharel explodiu.

Era ele um severo defensor da família e dos costumes cristão até a aparição de Almeidinha. Trocavam farpas diariamente através de seus escritos, que eram lidos por uma massa cada vez maior de admiradores. O próprio Fausto não dormia pensando no dia seguinte para ver as outras produções do escritor libertino. A tara do advogado chegou a ponto de passar oito horas seguidas em frente ao computador esperando a publicação dos excitantes e horrendos poemas.

Nunca os dois haviam se visto, mas cada vez que o jovem escritor lançava seus poemas era como se uma saraivada de mísseis fosse expelida das suas poesias e a retaliação sempre vinha. O Dr. Fausto manifestava-se fervorosamente.

Transpareciam nas criticas mais do que aversão aos escritos, transpareciam ódio e desejo. Sentimentos que foram o combustível necessário para a fatídica morte de Almeida.

Dr. Fausto sempre espreitava as idas e vindas do jovem escritor e apenas isso não bastava mais para saciar a sede dele. Queria mais. O desejo tornou-se doentio, desvairado e insano. Sempre que ele ouvia o nome de Almeidinha tremia-lhe o corpo inteiro. O ódio dava-lhe mais tesão. Não sabia como lidar com esses sentimentos. Então, passou-lhe num lampejo de pensamento uma forma de resolver o problema: deveria conversar pessoalmente com Almeida.

Assim o fez. Dr. Fausto: entrou em contato com Almeida e ambos concordaram em conversar. O encontro se deu numa praça. Eram dez da noite e poucas pessoas passavam pela rua quando Almeidinha despontou em frente a praça. Lá já se encontrava Dr. Fausto que balançava a perna incessantemente. Quando avistou o rapazote sentiu um friume na barriga. Não sabia se era ódio ou tesão.

--- Boa noite! --- Disse Almeidinha.

E rapidamente a boca de Dr. Fausto se abriu em disparada e jorrou-lhe uma infinitude de desejos reprimidos.

--- Tenho tesão em você. Quero chupá-lo. Dá pra você...

Almeidinha embasbacado com a situação soltou-lhes as mãos que agarravam ferozmente o seu quadril e disse-lhe que não estava entendendo o ocorrido.

Rapidamente, o ilustríssimo advogado se recobrou do que havia dito e num salto do banco da praça disse em tom de ira:

--- Esqueça tudo o que eu disse. Seu invertido. Esqueça tudo isso ou eu...

Ele saiu andando rapidamente até sumir na esquina.

Almeidinha encarou a situação como um acontecimento estranho e que lhe renderia no mínimo uma boa lorota entre amigos. Mas a mente perturbada do Dr. Fausto não parava de maquinar uma forma de destruí o fatídico acontecimento. Ele sentia-se na mão daquele jovem permissivo.

 23:45 e Almeidinha voltava da casa de alguns amigos. Passava horas conversando sobre poesia e filosofia. A casa era bem perto do Largo do Theberg e não representava perigo algum chegar tão tarde em casa, Icó era pacata.

Mas nesse dia, perdeu-se o ar soturno dessa cidade. Almeidinha deixou a casa dos amigos. Passava pelos seculares tamarindeiros quando se sentiu observado por alguém. Ele olhou para os lados e continuou sua caminhada em direção ao largo.

Passo adiante ele decide parar num dos bancos da praça. Acendeu um cigarro. Adorava esperar a virada da madrugada tragando um cigarro. Almeidinha deu uns tragos e ouvi alguns gemidos estranhos, quase que grunhidos. Sentiu receio, mas permaneceu quieto e tentando descobrir de onde provinha aqueles tenebrosos sons.

--- Eu só queria atenção e um pouco de prazer nessa minha vida miserável...

Almeida ouviu claramente essa frase e percebeu que saíra do beco entre a cadeia antiga e um casarão secular.

O jovem destemido olhava profundamente para a escuridão do beco e não temia os murmúrios que cada vez ficavam mais forte. Ele caminhou alguns passos cautelosamente. Viu uma movimentação estranha e conseguiu ver a silhueta de um homem declinado na parede.

Ele se aproxima para oferecer ajuda.

Almeida tremeu-se inteiramente, pois era o doentio advogado que se encontrava com seu membro de fora, masturbando-se e proferindo palavras de desejo.

Fausto esticou a mão em direção do jovem como se quisesse possuí-lo.

--- Calma Dr. Fausto. Eu vou lhe ajudar.

O ditoso Dr. Fausto já não existia. Ele se encontrava na sarjeta de si mesmo. Almeidinha era o seu ideal de pessoa. Ele queira ser Almeidinha.

--- Sai daqui, não quero pessoas imundas me tocando. Disse o insano advogado.

Almeidinha se afastou temeroso ao ver os olhos profundos e arroxeados do pobre homem. Seu rosto manifestava a mais profunda insanidade num homem. Seu falo estava ereto e cabelos assanhados. Seus lábios ressequidos descamavam como pele de serpente. Ele apontava a língua enquanto falava como se quisesse lamber Almeidinha.

--- Deixe-me ajudá-lo. Insistiu Almeida.

--- Saia daqui...

Almeida sai caminhado em direção a luz do poste e olha para os lados para pedir ajuda.

Ele escuta um assovio:

--- Psiuuuuuuuu!

Sentiu que era o Dr. Fausto e pensou: --- Vai aceita a ajuda!

Ao virar-se foi alvejado com um tiro certeiro.

Ele cai morto no chão.

Escuta-se outro estampido e Dr. Fausto também cai morto.

Nunca mais se escreveu nada naquela cidade.

 

Chico Carneiro

24/07/2013

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